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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Papagaio Charão No Museu

Este conto tirou o segundo lugar, categoria contos, do Concurso Literário Sindiserv - Caxias do Sul - 2015

A inspiração veio de uma visita ao museu com a turminha do 4º ano da professora Luciara da EMEF Profª Marianinha Queiroz, que acompanhei como professora de informática e fotógrafa. A menina Elen é fictícia, mas as informações são verdadeiras!


Papagaio Charão No Museu

          A edificação, do final do século XIX, foi transformada em museu há mais de trinta anos. O acervo é composto por mais de dez mil peças lembrando a saga dos imigrantes italianos que formaram a cidade de Caxias do Sul. Elen acompanhava a turminha do sexto ano com a professora Liliana. O passeio iniciou com a divisão da turma em duas, as monitoras, estagiárias do curso de História, estavam bem preparadas para explicar a trajetória imigrante através de seus objetos. Subiram uma escadaria que os levou ao andar de cima. Expositores de vidro mostravam resquícios de índios dessa região, restos de sambaquis, mãos de pilão e restos de cerâmica. Passaram por imagens grandes, recortadas em papelão, representando imigrantes e seus baús, no porto de Gênova, na Itália, o ponto de largada na imigração italiana. Depois a guia mostrou o famoso quadro-propaganda, “Cocagna”, usada pelo governo para atrair imigrantes ao Brasil. Cocagna é a terra da fartura, onde jorram vinho dos rios, salames espocam nas árvores e frangos assados caem do céu. Os alunos riram e a guia explicou que na verdade a terra da Cocagna precisava ser trabalhada, pois os italianos encontraram mato e dificuldades. A floresta era densa e precisava ser desmatada para construir as moradias e os povoados. A guia contou que o ano da primeira leva de imigrantes foi em 1875. Os imigrantes chegavam de navio, após trinta a quarenta dias de viagem. Uma viagem sofrida, com pouca água, com cadáveres, derrotados pela doença, sendo jogados ao mar. Chegavam ao Rio de Janeiro, onde ficavam de quarentena para evitar a transmissão de doenças, depois vinham para Porto Alegre e por fim vinham para a serra gaúcha.
        Os alunos escutavam atentos e faziam perguntas, com paciência a guia esclarecia. No corredor ao fundo um grande quadro de 1955, de Jorge Leitão. A tela mostra um resumo da saga dos italianos na nossa região. Em primeiro plano à esquerda, homens cortando araucárias para fazer a madeira das casas, uma serraria à esquerda ao fundo, imprescindíveis no meio da floresta e um carro de boi puxando uma tora. À direita uma moradia dividida em duas, a cozinha com forno de barro, separada do resto da casa, pois o fogo de chão podia incendiar tudo. Um rio atravessa o centro da tela destacando uma mulher lavando roupas nas suas águas. Ao pé do quadro uma bancada com ferramentas alusivas à pintura, serrotes, machados e armadilhas para caça. Os imigrantes recebiam as ferramentas do governo, junto com a terra, para poder dar inicio ao cultivo e construção de moradias. Elen sentou atrás, enquanto a guia explicava a função de cada ferramenta.
- Vocês sabem para que serve isso?
- Pra serrar madeira!
- Sim, mas essa é especial, ela faz as tábuas de madeira que eram usadas para a construção das casas!
Elen olhava para o quadro de Jorge Leitão, examinava cada detalhe da obra. Lembrava de histórias contadas pela nona, da paisagem que tão bem conhecia. Num relance sentiu-se a avó menina. Na sua fantasia entrou correndo na tela, reconheceu sua mãe que lavava roupas no riacho:
- Vieni qui ragazza!
- Vengo mamma! – responde Elen vivenciando a infância da nona menina. Correu longe dali, criança não podia andar por perto, pois era perigoso, os homens cortavam araucárias centenárias, Elen menina sentia pelos pinheiros, mas era preciso construir casas. Correu mata adentro, o som de pássaros chamou sua atenção. Correu até onde podia ouvi-los mais de perto. Conseguiu perceber pássaros verdes alimentando-se de sementes da árvore espinhenta que chamavam de pinheiro, além da madeira essa árvore dava frutos cobiçados por todos, os pinhões. Era um grande bando de aves. De longe distinguiu pássaros verdes com a fronte avermelhada. Cada um buscava um pinhão. Nos galhos mais baixos Elen pode vê-los alimentando-se, com o pé direito agarravam perfeitamente o pinhão, enquanto se firmavam no pé esquerdo usando o bico poderoso para abrir a casca e retirar a polpa interna. As aves deliciavam-se em saborear as sementes.

- Sono pappagalli ! – Gritou tio Piero armado de uma sciopa - Guardare!
- Arresto! – Grita Elen menina, mas não consegue evitar a matança!
- Guardate quanto è bello il nostro pranzo! – O tio corre ao encontro das aves caídas.
Elen acorda do transe, foi só um momento, pois seus colegas seguiam para o próximo ambiente, mas pareceu uma eternidade! Que papagaio era aquele? Lembrou que tinha visto exemplares no zoológico da Universidade, sim, era o papagaio charão, no topo da cadeia das aves em extinção. Que alegria tê-los visto em bandos, mesmo que em sonho. Fazia parte de uma família que ajudou a extingui-los. Seus antepassados e famílias alimentavam-se de aves silvestres até uns trinta anos atrás, primeiro por necessidade, depois por hábito. O nono contava das passarinhadas, das pombinhas assadas, todas emparelhadas na assadeira, com as minúsculas perninhas para cima, saboreadas sem dó. Hoje toda a família é defensora das aves, ninguém mais as consomem.
Elen passou semanas amaldiçoando seus gens exterminadores de papagaio. Entrou em depressão. Gostava muito de aves e saber que uma das mais belas aves da serra tinha entrado em extinção por causa de seus antepassados foi terrível para ela.
  • Nono, estive no museu pela escola entrei em uma viagem no tempo, fui parar na época em que nossos antepassados chegaram aqui.
  • O museu traz lembranças do passado Elen.
  • Não nono, eu entrei num quadro que tinha lá, vi uma mulher lavando roupa, acho que podia ser a bisnona, foi muito incrível!
  • Ah, ah, - riu o nono – com certeza você dormiu e sonhou!
  • Não nono, não sonhei, eu vivi! E isso me trouxe muita preocupação, nono, vocês comiam papagaio?
  • Não minha neta! A carne de papagaio é muito dura, sempre preferíamos carne de pombas, de jacus, de perdiz...
 Elen sorriu, foi um alívio! Na sua inocência isso era tudo o que ela precisava ouvir !

Vera Elenita Medeiros

Foto Sindiserv Caxias do Sul
Agradeço ao Sindiserv pela valorização dos servidores escritores!